CAPÍTULO 1: O CHAMADO

A chegada no vilarejo dos pescadores

O verão na costa sul era diferente do interior. Não trazia apenas o calor seco que dourava os campos de Tromen, mas uma umidade pesada, um abraço salgado que se agarrava à pele e às roupas. Naquela manhã, o céu de Bervalos amanhecia coberto de uma névoa leitosa vinda do Mar dos Heróis, um véu que abafava os primeiros raios de sol e tornava o mundo cinzento e silencioso. As ondas quebravam nas pedras da enseada com um som constante, quase ritualístico, um coração lento para um vilarejo que havia perdido seu ritmo. Não era o mar que inquietava os moradores — e sim os rumores que percorriam cada viela como uma corrente fria: pessoas sumindo, e algumas retornando… mudadas.

A situação se agravara a tal ponto que o próprio Edrick Bervalos, patriarca da família que dera nome ao vilarejo, mandara mensageiros a Tromen, a Karvach, a Vortemar e até aos pequenos vilarejos do interior. Panfletos circulavam nas tavernas, e o chamado era claro:

“Heróis e aventureiros. Bervalos precisa de ajuda. O mar e a noite escondem segredos que nossos olhos não alcançam mais.”

Assim, uma carroça coberta, sacolejando pela estrada lamacenta que descia das trilhas costeiras, trazia em seu interior um pequeno e improvável grupo de respostas a essa prece.

O balanço da carroça era uma melodia desconfortável à qual os quatro viajantes se acostumavam em silêncio. O ar dentro do veículo era denso, uma mistura do cheiro de couro molhado, metal e da tensão não dita.

Aisar, o homem careca de manto azul-escuro, quebrou o silêncio. Ele segurava um dos panfletos, seus dedos longos e pálidos deslizando sobre a tinta borrada pela umidade.

— “Além das marés…”, murmurou ele mais para si mesmo, os olhos castanhos brilhando com curiosidade analítica. — Uma expressão poética para um problema, imagino, bem mais palpável.

Do lado oposto, Mikal, o anão, soltou um grunhido que era quase uma palavra. Seu elmo estava pousado no chão, revelando um rosto sério emoldurado por uma barba ruiva, trançada com anéis de ferro. Sua armadura completa rangia a cada solavanco.

— Palpável o bastante para prometer uma bolsa cheia, espero. — disse ele, a voz grave como o rolar de pedras. — Não são truques do mar que fazem homens desaparecerem. É corrupção, ou é monstro. O trabalho de Brador é moldar a pedra, não dançar com as ondas.

Atlas Cassini, uma silhueta escura no canto, moveu-se apenas o suficiente para que a luz fraca revelasse o brilho de uma adaga em seu cinto. Sua voz era um sussurro baixo, afiado.

— Rumores pagam bem. O desespero, mais ainda. Pessoas não somem por poesia, somem por dívidas, segredos ou ganância.

Um silêncio tenso se seguiu, quebrado apenas pelo ranger das rodas. O’Goubletts, reclinado no canto mais sombrio, permaneceu imóvel. Seu capuz verde musgo escondia seu rosto, mas a forma como sua mão repousava sobre o arco recurvado, nunca relaxada, dizia mais que qualquer palavra. Seus olhos negros varriam a floresta enevoada que ladeava a estrada, ignorando a conversa como se fosse o zumbido de um inseto distante.

Aisar, não se deixando abater pelo laconismo do grupo, virou-se para ele.

— E você, caçador? As matas lhe contaram algo? Há rastros incomuns nesta região?

O’Goubletts virou a cabeça lentamente. Por um instante, seus olhos negros encontraram os de Aisar.

— A floresta está quieta demais — disse ele, a voz rouca pelo desuso. — Os predadores se escondem. Isso é tudo que preciso saber.

A carroça finalmente cruzou o portão de madeira simples que marcava a entrada do vilarejo. O ar aqui estava ainda mais pesado. O cheiro de peixe e sal estava impregnado de algo mais, um odor de mofo e abandono. Pescadores recolhiam redes que pareciam não apenas rasgadas pelo uso, mas deliberadamente cortadas. Mães, paradas nas portas de suas casas, chamavam seus filhos com uma urgência ansiosa, os olhos varrendo as sombras entre as vielas. Uma vigília silenciosa e exausta pairava sobre a praça central.

O cocheiro os guiou até a Residência dos Bervalos, uma construção de pedra branca e madeira escura que se erguia no alto de uma colina, sua solidez uma afronta à névoa que a envolvia. Anexo a ela, o grande farol da cidade se projetava para o céu cinzento, sua lanterna apagada e cega. Guardas locais, de semblante cansado e armaduras de couro gastas, abriram caminho com um aceno de cabeça resignado.